terça-feira, 31 de dezembro de 2013

2013

O que fica de 2013?

Fica um ano de aprendizagem.

- Aprendi o que era isto de preparar a chegada de mais um membro à familia
- Aprendi que 1+1 é mais do que 2.
- Aprendi que há amigos que ficam para toda a vida e alguns só surgiram este ano.
- Aprendi que a bondade humana não tem limites (obrigado a todos os que participaram na angariação de fundos em nome da Nô).
- Aprendi que o tempo passa rapido mas ajuda a sarar as feridas enquanto não "limpa" o que é bom de lembrar.
- Aprendi que, apesar de tudo, pensar positivo é sempre melhor que a alternativa.
- Aprendi o que é isto se ser um pai de um anjo.
- Aprendi a ser menos cínico, mais compreensivo, melhor pessoa. A ajudar a quem me estende uma mão.
- Aprendi que as coisas de bebés são caras!
- Aprendi que as pessoas que trabalham nas UCIN são anjos na Terra, mas são seres humanos com todas as virtudes e defeitos (não há dinheiro que vos pague condignamente, seres maravilhosos).

E finalmente...
- Aprendi que é possível amar incondicionalmente.

Para sempre teu pai, minha princesa.
Estejas onde estiveres, eu estarei lá e tu estarás comigo.
Eu sou tu e tu és eu.

Agora venha 2014, esquecendo as mágoas do passado e relembrando o que aprendi.

As coisas mudam mesmo.
Basta que assim decidamos.

Abraços e Beijos,
AR

sábado, 23 de novembro de 2013

Tinha de partilhar...

Vejam este video.

http://vimeo.com/78393869

Tantas emoções que regressaram com a lembrança do que foi.
E do que podia ter sido...

Amo-te Nô.

terça-feira, 29 de outubro de 2013

"My Debt For You"

Hoje levaste-me a ouvir esta música...


We grow older, older
A little closer, a little closer
And you stay, fallen, fallen
And its too late, its too late, now

Here’s my debt to you
I wanted to say I breathe for you
But you are a world away, a world away

Left in the same walls, the same walls
Can you see them, can you see them
Left on long wall, long wall
They didn’t need to, they didn’t need to, for me

So here’s my debt to you,
I wanted to say I breathe for you,
But you are a world away, a world away

So here’s my debt to you,
I wanted to say I live for you,
But you are a world away, a world away

And I grow older, older
A little closer, a little closer
To you


Miss you so...


domingo, 20 de outubro de 2013

4 meses...

Quatro meses desde que sou pai.

Fui e tento ser o melhor pai que consigo.

Espero que tenhas orgulho em mim, minha filha linda.

quinta-feira, 26 de setembro de 2013

Faz hoje 3 meses

Um dos casais que nos lê escreveu este texto.

À Nô e aos pais da Nô.

Quando lemos o pedido para participarmos no blog, fazendo perguntas ou escolhendo tópicos, hesitámos… não sabíamos se estávamos à altura de tamanho desafio… mas depois reconsiderámos, porque queremos que o blog se mantenha vivo, porque queremos partilhar o que a Nô significa para nós, o quanto mudou a nossa vida.

Como forma de mostrar como a história da Nô nos tocou, escrevemos estas palavras com toda a sinceridade e respeito.No dia em que escrevemos este texto a nossa filha Madalena está prestes a nascer. A data prevista é o dia 5 de Setembro e tanto eu como a minha mulher Joana estamos muito ansiosos pelo grande dia. Foi uma filha que desejámos muito.

Aquando das nossas férias de Verão tomámos conhecimento do blog ‘Diário de um futuro pai’. A intenção e desejo que o André teve em registar o momento da gravidez e da vida da Nô foi uma atitude bonita. Foi uma atitude que a nós, também futuros pais, nos marcou muito e nos aproximou da história.

Não tínhamos internet na casa onde estávamos e corríamos para o Wi Fi de um café todas as noites para saber novidades. Tornou-se parte integrante dos nossos dias de descanso. Registámos todos os momentos, sentimos todas as emoções, emocionámo-nos em pleno café. Foram sentimentos muito fortes.

A Nô é uma guerreira e conseguiu mexer com a vida de tanta gente. Os pais da Nô são um exemplo de força. Não sei se teríamos a mesma força que mostraram nesta história, por isso, são para nós um exemplo. Obrigado por mostrarem que fazendo das fraquezas forças seremos todos melhores pessoas.

Fizemos da ‘nossa gravidez’, em todos os dias, um momento inesquecível e único. Relembrámos como é importante viver um dia de cada vez, em pleno, aproveitando cada momento, cada oportunidade que a vida nos dá de sermos felizes e de fazermos felizes aqueles que amamos.

Faremos o que pudermos para que a Madalena receba todo o nosso amor, tão grande como a Nô recebeu e continuará a receber de todas as pessoas a quem tocou.

Continuaremos a acompanhar-vos e a manter acesa a história que a Nô escreveu nas nossas vidas e nos nossos corações!

Fabio & Joana”

terça-feira, 17 de setembro de 2013

Coisas que mudam...

... ver pessoas a partir. Já não sinto da mesma forma. Pessoas que nem conheço para além das fotos do facebook. Algumas delas crianças. Bebés. Custa muito... Imagino a dor das pessoas que cá ficam tristes por ver alguém que amam partir e sei bem o que isso custa.

Também me custa a forma "leve" com que se fala de pessoas que morreram nos telejornais. Números... Números que têm pais. Alguns têm filhos. Pessoas que as amam... Alguns deles a lutar por nós. Bombeiros.

Doi.

A minha força para quem cá fica. Quem já foi não precisa. São do tamanho do Universo.

Abraços e beijos,
AF

terça-feira, 3 de setembro de 2013

Carta para a mamã

Olá Mamã!

Esta é a carta que tu querias que eu escrevesse.

Estou a escrever através do papá, mas as palavras são minhas. Lembra-te que consigo assumir todas as formas. É por isso que quando fechas os olhos me sentes em todo o lado.

Estou nas borboletas (as brancas e de outras cores). Estou no vento. Estou naquela rocha lisa e na água que a erodiu. E agora estou no pai.

Quero que saibas que estou bem. Agora que consigo ver tudo tão claramente (antes estava na "caixinha de vidro" que embaciava facilmente) e posso conhecer toda a gente que já te tocou de forma positiva, posso dizer que estou num sítio melhor.
Sei que para ti é difícil sentir isso. No fundo sabes que é verdade mas as lágrimas que choras são pelas saudades que TU sentes. Se soubesses que eu estou sempre aí ao teu lado e que podes falar comigo e que te respondo 100% do tempo, não sentirias isso.

Sim... eu sei que é normal que as pessoas por tenham de fazer o luto. Tenham de chorar por não conseguirem sentir (ver e tocar sobretudo) quem partiu para aqui.
Mas se fecharem os olhos e sentirem com todos os sentidos vão perceber que não estão sozinhos e que não precisam de temer pelo futuro. E temos tão mais sentidos que os 5 convencionais. São infinitos. Mas todos variantes daquele que vocês chamam de sexto sentido.

O sentir com a alma.

E a alma é tudo! Ninguém morre enquanto for lembrado. E lembrar é invocar a alma dessa pessoa. Por isso quando pensas em mim eu estou aí. A um nível diferente. Mas aí. Contigo.

Por isso não penses em mim com tristeza. Custa-me ver-te chorar e não te conseguir acalmar. Lembras-te do sentimento de impotência que sentiste quando viste que não podias fazer nada por mim? É o que eu sinto. Não te consigo tocar da forma convencional. Sei que seria mais fácil para ti para voltares a acreditar. Mas as coisas não funcionam assim. Eu posso ser tudo mas tens de ser tu a me "tocar".

E tens de ensinar os meus irmãos a tocar.
Viaja! Vai ver coisas novas com eles. Fecha os olhos e sente a brisa. Sai de casa e faz algo por ti. Eu estou em todo o lado. Mas sinto que te ligas melhor comigo quando vês algo bonito. Algo que te faz feliz.

Ainda não te posso dizer o sentido disto tudo. Porque tive de vir para aqui e tu ficares aí. Acho que nunca te vou poder dizer (aqui eles são muito rigorosos com essa regra...). Mas um dia vais perceber. Um dia muito mais no futuro. É o que eu sinto. Eu não sei quanto tempo te resta. Não sei pela simples razão que quem controla a tua vida és TU! Ninguém manda em ninguém e tu tens o livre arbítrio de decidir o que queres fazer com a tua vida.
Mas se aprendeste algo comigo nos 6 dias que estive convosco, já sabes a resposta.

Sabes, não sabes?

Amo-te mamã.
Nô.

PS: o Andrézito tem, efectivamente, me contado muitas coisas giras. Mas não me ensinou nada. Nós aqui sabemos tudo aquilo que precisamos. :)

domingo, 25 de agosto de 2013

2 meses...

Olá.

No meu último post pedi-vos que me dissessem sobre o que gostariam de ver escrito. Que me fizessem perguntas.
E uma das sugestões foi pedir às pessoas que me escrevessem sobre a forma com a Nô mudou a vida delas.
E a autora da sugestão não se fez rogada e escreveu o que está abaixo. :)
Não querem escrever algo do género? diariodeumfuturopai@gmail.com

Esta é para ti Nô. Da "tia" Claudia.

"Olá Nô,
Como está tudo por aí em cima? Sei que estás bem e sei que me ouves todos os dias quando converso contigo! Falamos do dia a dia, quando vou no carro a caminho do emprego (quantos já não devem ter pensado: “olhem me esta maluca a falar sozinha…”). Ou falamos baixinho antes de eu adormecer. Desculpa pelos dias em que te deixei pendurada… não é por mal, mas já não é a primeira vez que adormeço e deixo pessoas a falar sozinhas… acho que é defeito de família hihi. Mas olha que não é por isso que a titi gosta menos de ti!

… muito pelo contrário. A titi cada vez gosta mais de ti porque todos os dias é mais clara e mais forte a importância que tens na minha vida e a forma como me mudaste para melhor. A titi Fi diz que tínhamos uma ligação muito grande as duas, desde o início. E temos! Porque tu de mim já não sais, minha princesa refilona!  Apesar de ainda doer, sei que vives dentro de mim. E, como sabes, a única coisa que te peço é que não me abandones. Sinto-me mais completa quando te sinto a aquecer-me o coração e abraçar-me a alma.

E quando te sinto, relembro com um sorriso enorme todas as coisas boas que me deste e isso ajuda a esquecer a revolta pela tua perda física. Por tua causa princesa Nô, reaprendi o significado e importância da amizade verdadeira, daquela maior do que a vida. Tenho me esforçado para mostrar às pessoas que me são muito o quanto as amo e o quanto quero cuidar delas porque, infelizmente, também me ensinaste que é urgente amar, antes que seja tarde… ainda por cima, fugiste-me logo no dia em que ia olhar-te nos olhinhos grandes e derreter-me com os teus 400g de gente. Já não fui a tempo, mas sei que me perdoas.

Tenho feito um esforço pelo papá André e pela mamã Ana porque também não sei ser sem eles. E, curiosamente, são eles que nos têm dado toda a força para avançar, sendo um exemplo de determinação e coragem e mostrando que a vida continua ao recordar e sorrir. Vão nos pedindo a todos que continuemos o teu legado, só podes estar orgulhosa da enormidade de pessoas que eles são. E eu, para honrar a tua memória, tenciono seguir as pisadas deles.

Eles estão determinados em usar os teus ensinamentos para o bem comum, porque às vezes um pequeno gesto pode mudar a vida de alguém que nos é tão próximo. Já viste todas as coisas grandiosas que conseguiste? Olha a Gota Solidária da mamã, que vai ajudar e tocar tanta gente! E a titi também tentou fazer a sua parte, em pequenina escala! Viste o sorrisão da titi Moon quando lhe dissemos que tínhamos conseguido fundos suficientes para lhe arranjar a máquina fotográfica? Não há dinheiro nenhum no mundo que pague aquela expressão de felicidade. Fazia tudo de novo só para voltar a ver aquele sorrisão. O teu legado tornou-nos mais altruístas. Espero que estejas orgulhosa de nós porque, afinal, precisamos uns dos outros para sermos felizes.

Caminhas connosco lado a lado todos os dias. Continua a fazê-lo, minha pequena guerreira. Como podes ver, deixas-te uma marca enorme, que pretendo honrar.

Um abraço grande, aquele que tenho guardado para te dar daqui a muitos e muitos anos quando finalmente nos conhecermos pessoalmente. E um beijo muito grande e peganhento da titi que te adora."

Beijo grande minha princesa. Cheio de saudades tuas...
AF

segunda-feira, 19 de agosto de 2013

Medos. E o futuro?

Com o exemplo da Nô bem presente dentro de mim, nomeadamente com o ter aprendido que se deve viver um dia de cada vez e de preferência com plenitude de amor, mentiria se não dissesse que ainda há coisas no futuro que me deixam com receio.

Coisas como pensar que a situação se pode repetir
Que tenho de ter uma força brutal para ser um rochedo onde a Ana se pode agarrar nos dias maus de uma futura gravidez.
Medo de, nos meus momentos menos bons, me vá abaixo.
Mede de sentir que o "tudo vai correr bem" e "tenho confiança inabalável" não façam tanto sentido agora...

Tenho sido pouco activo no blog. Tenho estado de férias e procuro manter alguma distância de computadores e afins uma vez que essa é a minha profissão.
Admito também que tenho tido alguma dificuldade em escolher os tópicos.

A minha ideia para o blog nunca foi dar uma ideia profunda do que me vai na alma.
Pretendia ser um pai que descrevia o dia-a-dia. As escolhas acertadas e menos acertadas.
Qual o carrinho de bebé? Sling ou Marsúpio?
Como homem ia sempre cair para um lado mais objectivo do dia-a-dia sem nunca descurar algumas incursões nos meus pensamentos mais "profundos".

Agora...
Agora não sei bem o que escrever...
Sinto que já escrevi tudo o que sabia escrever sobre a Nô. Não escrevi tudo o que penso mas escrevi aquilo que consegui colocar em palavras.

Por isso peço a vossa ajuda. Façam-me perguntas! Peçam-me para escrever sobre algum tópico que gostavam de ver escrito.

Assim é mais facil para mim manter este blog vivo até à próxima gravidez.
Que, se tudo correr bem, começará algures por esta altura no ano 2014...

Beijos a abraços e um muito obrigado a todas que me lêem.
AF

segunda-feira, 5 de agosto de 2013

Vamos ajudar o Tiago?

Vamos sim!

https://www.facebook.com/vamosajudarotiago?fref=ts

O Tiago é um menino com 6 anos que nasceu prematuro e tem sequelas dessa mesma prematuridade.

Mesmo que não possam ajudar com dinheiro, façam like e partilhem a página.

Bora lá ajudar o Tiago. Podia ser um dos nossos.

Beijos e abraços,
AF

Gota Solidária

Olá pessoal.

Hoje gostaria de vos chamar a atenção para um projecto recente da minha mulher e mais duas amigas.

Esse projecto chama-se Gota Solidária e parte do principio que gota a gota se consegue fazer a diferença.

A ideia é simples. Aparenta ser simples demais até, mas a verdade é que eu não tenho conhecimento de haver grupos iguais ou parecidos na sua génese por cá. Se tiverem conhecimento terei todo o prazer em conhecer. :)

Como estava a escrever, a ideia é cada um dos membros do grupo participar com um euro (e apenas só um euro) por mês para, no final desse mesmo mês, o dinheiro ser transferido para uma causa que é votada todos os meses pelos membros do grupo.
Qualquer membro do grupo é convidado a sugerir uma causa a apoiar para o mês seguinte.

Neste momento, quando escrevo, são 101 os membros activos do grupo.

Infelizmente o grupo ainda só funciona no facebook mas, quem não tenha conta, também poderá participar. Contactem-me que eu dou todos os pormenores e esclareço todas as dúvidas. :)

A Ana está muito empenhada neste projecto e muito contente com a aceitação que tem tido. E tenho um orgulho enorme nela. :)

Apoiem! É só um euro! E façam parte da diferença!

https://www.facebook.com/groups/428060500639908/



Abraços e beijos,
AF

sexta-feira, 2 de agosto de 2013

quarta-feira, 31 de julho de 2013

Momentos

Há momentos bons.
- momentos em que sinto a Nô bem presente dentro de mim. Em que sinto a presença em tudo o que de belo vejo. Instantes em que tenho tempo para parar e desfrutar da vida.

Ha momentos assim-assim.
- momentos em me vejo tão absorvido pelo quotidiano que nem tenho tempo para parar e ouvir. Instantes em que ocupo a minha mente comigo mesmo e só comigo.

Há momentos maus.
- momentos em que a saudade se abate e sinto falta do olhar. Instantes em que revejo na minha cabeça o movimento fino dos dedos das mãos da minha pequena princesa.

Mas estes não são os piores porque...

Há momentos vazios...
- momentos em que me recordo que não existe nome para um pai de uma pessoa que já não o é mais.
Instantes em que adormecer parece impossível e choro lágrimas secas.

Momentos. 

Abraços e beijos,
AF

sexta-feira, 26 de julho de 2013

Não queria ser forte. Queria ser pai.

Faz hoje um mês. O dia mais terrível da minha vida. O dia em que tive de assistir ao vivo ao último suspiro da minha princesa enquanto a mãe, desesperada, procurava garantir que aquela linha contínua no monitor não era apenas um mau contacto no sensor de frequência cardíaca. Foi o dia mais incrível, mais aterrador e ao mesmo tempo mais iluminado. Sentir a Nô ascender ao céu, largar aquele corpo que enclausurava uma alma grandiosa. Do tamanho do Mundo. Do Universo.
Não é algo que deseje ao meu pior inimigo (tenho disso?) e no entanto sinto-me um privilegiado. Não consigo explicar por palavras algo deste tipo sem correr o risco de ser mal interpretado.
Faz hoje um mês do meu Tudo e Nada, Alpha e Omega, Yin e Yang.
Foi a pior coisa que me aconteceu e no entanto mudou tanta coisa em mim para melhor que foi também, ao mesmo tempo, a melhor coisa que me aconteceu.

Enquanto escrevo isto passo de um estado de vazio para cheio. Vazio como se me tivessem arrancado tudo dentro de mim. Como se a minha alma saísse deste corpo e vagueasse por aí sem rumo à procura da minha filha. Como se a minha filha estivesse algures perdida nesse Mundo e eu soubesse que, se a encontrasse, poderia voltar a falar-lhe. A tocar-lhe. A dar o colo que nunca dei. O embalo que nunca embalei. O beijo que nunca beijei. E esperar que nessa altura me olhasse com esse mesmo ar ternurento que sempre me dedicou. Ou pareceu dedicar. Aquele olhar que eu sinto tocar-me quando fecho os olhos.

E aí percebo…

A Nô não está “por aí”. A Nô está dentro de mim.
E nessa altura compreendo que me afastar do meu corpo, da minha alma, é afastar-me dela.

Sangue do meu sangue, alma da minha alma.

E depois sinto-me completo. Cheio. A transbordar. De amor. Este meu corpo é pequeno para albergar uma alma do tamanho da Leonor. Por isso ela se divide e enche o corpo da mãe. Dos avós. Dos tios e primos. Dos amigos.

Hoje é um dia especial. Hoje sou tu, Nô. E tu és eu.

Sangue do meu sangue. Alma da minha alma.



Descansa em paz, minha princesa.
AF

PS: como há um mês atrás pedi a quem me leu que abraçasse os seus filhos com o maior amor do mundo, hoje peço o mesmo. Façam isso, não por mim, não pela Nô. Façam-no por vocês. Pelo Mundo inteiro que evolui um bocadinho quando estes gestos se repetem. Obrigado meus amigos.

sábado, 20 de julho de 2013

Schoep

Olá Nô.

Hoje faz um mês que nasceste e mudaste a minha vida para sempre.
Não poderia ser de outra forma. Acho que todos os filhos transformam a vida dos pais.

Hoje poderia me entregar à "fraqueza" da saudade mas prefiro te contar uma história.
Acho que é algo que vais gostar. Saber que há muita gente no mundo que é grandiosa.

Esta é a história de Schoep.

John e a sua noiva andavam à procura de um cão para adoptar. Correram muitos canis e, como não podia deixar de ser com todos os que amam cães, queriam trazer-los a todos para casa.
Até que há 19 anos repararam num cachorrinho encostado a canto e logo perceberam que era aquele. Apaixonaram-se perdidamente por ele naquele momento.

A ideia era dar a oportunidade a um cão de ser feliz. O Tramp (como se chamava na altura) mostrava sinais de abuso e nem aparentava saber o que era brincar nem brinquedos.

Entretanto John e a sua noiva separaram-se e John esteve à beira de cometer suicídio. Mas Schoep estava lá e ajudou John a ultrapassar essa fase negra da vida. John afirma mesmo que Schoep salvou-lhe a vida...

Certo dia John levou Schoep ao veterinário porque estava a coxear. O veterinário receitou-lhe analgésicos e disse que ele não melhorasse talvez John devesse ponderar dar uma injecção letal.
Sabes... é que a artrite é algo que dá dores muito fortes. O Schoep nem dormir conseguia por causa das dores e os tratamentos eram demasiado caros para John.

No entanto John não ia desistir de Schoep. E fez tudo para que Schoep continuasse a ser feliz tal como lhe tinham prometido há uns anos atrás.

Certo dia tiveram a oportunidade de tirar a seguinte foto:


Este é John e Schoep no Lago Superior. A única forma de Schoep tinha para descansar era mergulhado naquele lago enquanto John o abraçava.
John não ia desistir de Schoep. Lembra-te que ele prometeu fazê-lo feliz acontecesse o que acontecesse.

Esta foto tornou-se viral e num instante John começou a receber mensagens de amigos e donativos para ajudar Schoep a cumprir os tratamentos que John não podia pagar. O dinheiro era tanto que John criou uma fundação em nome de Schoep para ajudar famílias que não podem pagar tratamentos dos animais. Assim eram mais Schoeps felizes pelo mundo. Tudo por causa de uma pessoa e um cão.

Schoep melhorou com os tratamentos. Já conseguia dormir durante a noite e já queria passear durante o dia. Ele sofria de cataratas que tornava a convivência com a luz solar uma dificuldade... Schoep era feliz



Schoep faleceu hoje.

Agora que todo ele é feito de luz tal como tu, vê se o encontras por aí e brincas um bocadinho com ele. Leva a Kiara. Mas lembra-te que a Kiara não gosta muito de outros cães. Tem medo...
Passa tempo com ele porque ele também vai estar muito tempo à espera para se reunir com John.

http://www.johnandschoep.com/
https://www.facebook.com/Schoep.and.John

Um beijo enorme minha pequenina e parabéns.
(Também se diz parabéns se forem meses?)

AF

quarta-feira, 17 de julho de 2013

Desígnios

Olá amigos!

Um update muito rápido.

Já contactei a Associação XXS, que receberá os donativos que vos falei no post anterior.

Contactei por email e depois recebi um contacto telefónico da fundadora da Associação.

Ela contou-me que também tem uma filha que nasceu prematura e que, apesar das complicações, sobreviveu. Nasceu com 26 semanas (tal como a Nô) e com pouco mais de 600g.

Conheceu a filha nos cuidados intensivos neonatais 4 dias depois de ter nascido e lá conheceu uma senhora que o marido e a mãe já lhe haviam falado.
Essa senhora também é mãe de uma criança que nasceu com 26 semanas e deu muito apoio e esperança a esta mãe que entrou no ambiente assustador da UCIN pela primeira vez.
E a sua criança estava quase a ter alta.

Isto encheu de alegria mas também assustou a nova mãe. Tinha se habituado à presença e apoio daquela mãe experiente.
Mas esta senhora disse algo que mudou a vida desta nova mãe - "Faz pelos outros aquilo que eu fiz por ti.".
E assim estava lançada a semente da Associação XXS.

O que isto me diz? Ensina-me que podemos aprender com toda a gente que nos toca.

"Tu não és para mim senão uma pessoa inteiramente igual a cem mil outras pessoas. E eu não tenho necessidade de ti. E tu não tens necessidade de mim. Mas, se tu me cativas, nós teremos necessidade um do outro. Serás para mim o único no mundo. E eu serei para ti a única no mundo..."
O Principezinho - Antoine de Saint-Exupéry

E agora sinto que o meu papel é também esse. É ajudar quem achar que eu posso ser uma ajuda.
Já me dei como voluntário da Associação para apoiar pais que sintam que eu possa ser um apoio.
A única coisa que tenho para oferecer são os meus ouvidos e a história da Nô. A bonita história da Nô.
Será que esse era um dos desígnios que a Nô tinha para mim?

Beijos e abraços,
AF

segunda-feira, 15 de julho de 2013

Solidariedade

Olá pessoal.

Sei que o meu post prometido vai com algum atraso mas espero vos compensar. :)

Desta vez quero vos falar de solidariedade e o que a Nô fez por isso.
Esta história já alguns devem conhecer mas aqui fica registada para a posteridade.

Era 27 de Junho, um dia após o falecimento da Nô, quando surgiu a ideia no twitter por parte do Marco Almeida (@Wonderm00n) de comprar em conjunto com mais uma mão cheia de pessoas um ramo de flores para o funeral que se realizaria no dia seguinte. Eu, por acaso, vi esse twit e comentei que, em nome da Nô e da simplicidade que ela nos ensinou, pedi que comprassem apenas algo simbólico e barato e todo o dinheiro que sobrasse seria entregue a uma IPSS à escolha. Assim não limitavam o valor (cada um dava o que queria e podia) e o dinheiro seria entregue a quem precisasse de ajuda.

A Catarina Filipe (@Kooka_) organizou o grupo no facebook para controlar as contribuições e nos ir dando feedback do que acontecia. Ela foi incansável! Foi também ela a "representante" do grupo no funeral e a responsável pela entrega da coroa de flores de homenagem à Nô.

Choveram doações de todo o lado e o grupo acabou por extravasar o universo do twitter.

18 dias depois posso informar com orgulho que, apesar de estar pendente de uma transferência final, o valor angariado é 1000€ que será entregue na sua totalidade à Associação XXS (website e facebook) em nome da Nô!

Foram também eles os grandes responsáveis por tornar os dias a seguir ao falecimento da Nô um bocadinho menos penosos, vividos com grande esperança no futuro e coragem para enfrentar o mundo, se na nossa vida tivermos a sorte de ter pessoas assim a nos acompanhar.
Ainda hoje tenho dificuldade em descrever o apoio que foi dado por estes seres humanos espectaculares ao sentir que a Nô tinha tocado positivamente em tanta gente.
Esta é a solidariedade que se sente cá dentro e nos enche o coração. Para mim e para a Ana mais importante que todo o dinheiro do mundo.


Aproveito também este post para divulgar um evento que irá decorrer nos próximos dias 6, 7 e 8 de Setembro no Complexo Desportivo do Atlético de Porto Salvo que é a II Concentração de Sorrisos Sobre Rodas, evento esse que eu e a Ana estamos a ajudar a organizar como já ajudamos o primeiro evento no ano passado em Alverca.

Desta vez o evento visa atribuir todos os lucros obtidos à Associação MIMAR.
Neste momento precisamos de patrocinadores e de vender rifas. Cada rifa custa 1 Sorriso. Tenho rifas para vender!
É a única forma neste momento de adquirir/alugar o material necessário para a Concentração.

Se quiserem (e não querendo abusar da vossa generosidade) poderão fazer donativos para o seguinte NIB:
0018 0003 20532776020 58

Peço-vos que caso efectuem alguma transferência me indiquem para o email andre.silva.rodrigues[at]gmail.com para poder identificar de quem vem.


Obrigado mais uma vez a todos e alguma coisa contactem-me.
Estou ao vosso dispor para ajudar no que conseguir.

Beijos e abraços,
AF

sexta-feira, 12 de julho de 2013

Musicas do papá - nº1


Olá pessoal.

Tinha decidido escrever algo hoje mas estou um bocadinho cansado. Ter regressado ao trabalho e ao horário "normal" de acordar cedo tem sido bom mas também tem as suas coisas nefastas.Uma delas é ter de me habituar novamente a deitar cedo. Nem sempre é fácil e o calor que se tem sentido durante a noite não me deixa adormecer à hora desejada.Outra é ter uma preocupação enorme com a Ana que tem ficado por casa acompanhada "apenas" pelo Joey (o nosso coelho anão) e pela Nô em espírito.
Ela tem lidado bem com a situação e mais uma vez demonstra uma coragem e força brutal!
E tem escrito umas coisas giras também. Hoje fui eu o contemplado no seu blog.Quem ainda não viu que espreite aqui: http://ourmadworld.blogspot.pt/2013/07/querida-nono-8-o-teu-papa.html
Posto isto vou terminar este post rápido (prometo que escrevo algo com mais conteúdo amanhã) com uma música que me diz muito.
Beijos e abraços,AF

Cyrus Jones 1810 to 1913Made his great grandchildren believeYou could live to 103A hundred and three is forever when you're just a little kidSo, Cyrus Jones live forever
GravediggerWhen you dig my graveCould you make it shallowSo that I can feel the rainGravedigger
Muriel Stonewall 1903 to 1954She lost both of her babies in the second great warNow, you should never have to watch as your only children are lowered in the groundI mean - never have to bury your own babies
GravediggerWhen you dig my graveCould you make it shallowSo that I can feel the rainGravedigger
Ring around the roseyPocket full of poseyAshes to ashes{Musical intro}We all fall down
GravediggerWhen you dig my graveCould you make it shallowSo that I can feel the rainOh Gravedigger
Little Mikey Carson '67 to '75He rode his bike like the devil until the day he diedWhen he grows up he wants to be Mr. Vertigo on the flying trapezeOh, 1940 to 1992--
GravediggerWhen you dig my gravecould you make it shallowSo that I can feel the rain
GravediggerWhen you dig my graveCould you make it shallowSo that I can feel the rainSo that I can feel the rain

Gravedigger
When you dig my graveCould you make it shallowSo that I can feel the rainGravediggerGravedigger

segunda-feira, 8 de julho de 2013

Coragem?

Olá pessoal.

Hoje não escrevo directamente para a Leonor.

Falo para todos os que dão enorme prazer em me ler. Acreditem que tiro mais prazer de ter tantos leitores e pessoas a comentar do que vocês tirarão em ler-me. :)

Posto isto vou abordar um tema que tenho pensado muito em como havia de fazê-lo.

Muitos elogiam a nossa coragem de ter enfrentado a situação da forma mais positiva possível.

Eu acho que todos somos "vítimas" das circunstâncias. Acredito mesmo que qualquer pai confrontado com a nossa situação iria sentir-se perante duas escolhas: colocar a vida em pause e fazer o luto de forma mais introspectiva; ou avançar com a vida e ter uma atitude positiva fazendo os possíveis que toda a gente tivesse uma recordação positiva da Nô.
Sinceramente acho que é a segunda hipótese que a Nô escolheria para o pai.

Aqui em casa não há heróis. Há apenas alguém que decidiu ser feliz. Aproveitar todos os segundos da vida com um sorriso nos lábios (apesar de assumir que nem sempre vivo assim). Olhar para a Natureza e em todas as coisas imaginar que a Nô nos está a mandar mensagens bonitas.

Acredito mesmo que ser feliz é uma opção.

Já acreditava antes da Nô ter nascido, mas a Leonor deu-me o seu exemplo de vida para acreditar mesmo nisso.

Pela Leonor, sejam felizes.

“you never know how strong you are... until being strong is the only choice you have.”

Beijos e abraços,
AF

sexta-feira, 5 de julho de 2013

Saudades

Nô...

Após ter passado uns dias de descanso com a tua mãe e, apesar de te sentir sempre próxima, sinto muitas saudades tuas...

Mas eu estou bem. Um dia vamos nos reencontrar. Tenho a certeza disso.

Mas só daqui a muito tempo, espero! Tu esperas. Eu sei.

Beijo grande que nunca te dei.
AF

quarta-feira, 3 de julho de 2013

Uma semana

Olá Nôzinha.

Faz hoje uma semana do pior dia da minha vida.
Deixaste-nos “orfãos” com a tua ida e muito atrapalhados com o que fazer depois.
Felizmente para nós (e penso que para ti também) acabamos por reagir bem à perda e agora, passando uma semana, podemos sorrir quando nos lembramos de ti.

Ajuda muito sentirmos-te em toda a parte. Ajuda muito saber que não sofreste. E ajuda muito saber que estás num sítio melhor.

Também ajuda muito ver muita gente a fazer coisas positivas porque se lembram de ti. Aproveitam a vida para amar. Nós incluidos.

Passado uma semana eu e a tua mãe estamos melhor do que as circustâncias sugeriam. E isso é bom para nós e, acredito, para ti também.

Um beijo muito grande minha borboleta branca.
AF

(PS: surgiu no facebook aquando da morte da Nô um grupo que pretende honrá-la angariando fundos para entregar a uma IPSS em nome da Nô. O grupo tem sido gerido pela Catarina (catarinafilipe@gmail.com) que tem sido incansável a gerir a angariação. Resta dizer que o valor já ultrapassa os 700€ e quem quiser contribuir que envie um email à Catarina que ela explica tudo. Obrigado.)

terça-feira, 2 de julho de 2013

Recarregar baterias

Olá Nôno.

Como estás hoje? Sabes porque te pergunto isso?
É que eu e a tua mãe sentimos-te no vento e hoje, uma noite particularmente ventosa, deves estar chateada com alguma coisa...
Foi o Tiago (o vizinho no cemitério)? Que fez ele?
Olha que apesar de estares inacessível a nós, meros mortais, continuas a ser a filhinha do papá. Um papá superprotector.
Mas tu já provaste que sabes tomar bem conta de ti própria. :) Tenho de continuar a confiar em ti.

Sabias que já imprimimos algumas fotos tuas e já compramos molduras para por na parede da entrada de casa? Acho que vai ficar fixe! Vais ficar juntinha a muitos amigos e família que prometeram nunca se esquecerem de ti. :)

Anyway... amanhã eu e a tua mãe vamos sair de casa por uns dias. Vamos recarregar baterias.
Vamos namorar um bocadinho porque também merecemos.
Como disse a tua mãe aqui, esta é a primeira semana deste ano em que tu não vais ter nenhum contacto físico connosco. Claro que é inevitável pensarmos em ti. É impossível não pensarmos.
Mas sabes uma coisa? Agora já não ficamos tristes. Queríamos-te aqui, óbvio. Mas sentimos mesmo a sério que estás num sítio muito bom para ti. Longe de sofrimentos. Longe de pessoas más.
E se a ideia é, no "além", revivermos a nossa vida do ponto de vista próprio e do ponto de vista das pessoas em que "tocaste" então tenho a certeza que tens uma vida eterna muito agradável. :)

Como vamos para fora, não vamos conseguir manter a visita diária à tua campa... Mas prometemos que assim que voltarmos a primeira coisa que vamos fazer é visitar o "teu jardim". Cheio de flores. Relva. Borboletas brancas e de todas as cores. Passarinhos a cantar. E a "tua" brisa que nos bate na cara e nos enche o coração.

Entretanto já aprendeste a música que a tia Moon te deixou?
Então aqui vai uma ajuda para depois no sábado lhe mostrares que já sabes esta e estás pronta para outra!


Beijos enormes minha linda!
AF

sábado, 29 de junho de 2013

A tua história

Nô.

Esta história não é da minha autoria. Tu sabes. Ontem a tua amiga Ana (a autora) leu-a para ti junto à tua campa.
Mas não te importas que partilhe com o resto dos teus amigos que não ouviram, pois não?

Sinto que não.

"Querida Nô, sabias que a tua mamã adora histórias de embalar? Quando éramos mais novas, aninhadas na cama, eu ia falando baixinho, lengalengando, enquanto o João Pestana a levava pelos sonhos. Suponho que os sonhos embalados em histórias são sonhos leves, luminosos, risonhos, felizes. Hoje a história é para ti. O teu sonho será um sonho feliz, ouve com atenção. Estás aninhada no colinho da mamã, o papá está mesmo em frente e, transportada pelo vento, entra pela janela o sussurro da história que te conto, em pezinhos de lã, e diz assim…

Era uma vez uma menina pequenina. Tão pequenina que cabia na imaginação. Nessa altura, a menina pequenina saltava de trampolim em trampolim, entre nuvens imaginárias. Um dia lá estava ela, de vestido verde, estampado com as flores que enchem os montes na primavera. No dia seguinte, deitada no jardim, ouvia as andorinhas cantar e espreitava, por entre as árvores, o sol a raiar. Na outra nuvem, baloiçava rio abaixo e sentia a brisa fazer-lhe cócegas, zumbindo entre o cabelo e o pescoço. Até que, um dia, o salto foi tão grande, tão grande, que tropeçou e caiu numa grande barriga. Assustada, a menina pequenina aninhou-se a um canto. Tudo era novo ali. Até que, de surpresa, no meio do silêncio, ouviu ao longe alguém a falar. Era uma voz que ecoava por entre o lago onde boiava. No início não entendia… soava-lhe tão diferente do zumbido do vento, do canto das andorinhas, da água do rio. Mas era uma voz doce, que ao mesmo tempo que a despertava, lhe fazia vibrar o corpo. Com o tempo, a menina pequenina deixou de se sentir assustada. Agora, curiosa, tentava perceber o que acontecia para além daquela barriga. Ela não sabia que, quando o seu corpo dançava num turbilhão, alguém cá fora brincava com um coelhinho, correndo de um lado para o outro. Não sabia que, quando de repente a barriga se enchia de um perfume frutado (que ela tanto gostava), era porque alguém tinha comido maçãs. Não sabia que, quando a barriga a fazia saltitar lá dentro, alguém cá fora ria. Era tão bonito viver na barriga. O que ela estranhava era aquela palavra que às vezes ouvia, ‘amor’, e com a qual a barriga estremecia. O que seria aquela palavra, que deixava a barriga num ambiente sereno, prazeirento e seguro? Nessas alturas, a menina pequenina sorria e o seu coração batia mais depressa. Aquela palavra devia ser especial, pensava.

Um dia, a menina pequenina cresceu e deixou de caber na imaginação. Num ápice, a barriga deixou de ser um lugar escuro e a menina deu por si envolta num banho de luz. Foi como se as folhas se tivessem afastado, deixando passar todos os raios que, antes, tinha visto procurar caminho entre as árvores do jardim. Quando finalmente a luz esmoreceu, a menina sentiu o seu peito encher-se de ar. Que liberdade!, gritou para o céu! Foi como se tivesse, novamente, a saltar de trampolim em trampolim, pelas nuvens.

Mas fazia frio ali… e, à sua volta, eram todos tão grandes! Lembravam-lhe Gulliver, um menino que um dia fora pequenino mas que, havia crescido tão depressa, tão depressa, que rapidamente caíra da imaginação abaixo. Os gigantes não tardaram a envolver a menina numa manta, que ficou arranjada de tal maneira que lhe fez lembrar um casulo de borboleta. Depois, aconchegaram-na numa casinha quentinha e levaram-na num passeio. Subiram para tão alto, tão alto, que a menina conseguia ouvir as andorinhas que voavam lá em cima, entre as nuvens.

Quando deu conta, havia dois grandes pares de olhos a admirá-la. Eram os olhos mais ternurentos que alguma vez vira. Castanhos, pestanudos, cheios de esperança e de ternura, olhavam-na com um carinho tal que o seu coração, envergonhado, palpitou tão depressa quanto daquela vez, na barriga. Seria aquilo o significado da palavra amor?, sorria. Aqueles olhos não tardariam a montar plantão junto ao seu casulo. Sentia-se tão segura e protegida que o seu peito se enchia de uma serenidade nunca antes experienciada.

Um dia, um daqueles pares de olhos recolheu-a e envolveu-a no seu colo. Havia um cheiro a maçã no ar. O outro olhar, apoiado no alto da montanha, foi de encontro aos seus olhos e, numa comunicação muda, a menina soube que podia adormecer descansada. Agora sabia o que era o amor.

Os olhos humedeceram, refletindo a imagem da menina, guardando-a para sempre. Enquanto isso, já a menina saltava de trampolim em trampolim, entre as nuvens esponjosas, branquinhas e angelicais.

Ouvia-se, ao longe, o vento assobiar entre as árvores do jardim. As andorinhas cantavam as baladas de verão. Os campos estavam repletos de flores. E a menina pequenina era feliz."

Desculpa Nô se eu fiz algo de errado para que a tua história seja tão curtinha...

Beijo enorme do teu papá,
AF

sexta-feira, 28 de junho de 2013

Amigos

Olá Nô!

Como estás? Achas que o teu corpinho gostou do sítio onde ficou? Eu acho que gostas.
Tem relvinha, tem passarinhos a cantar, tem uma árvore para te dar sombra.
E ficaste lá com muitas flores!

Viste a quantidade de amigos e família que te foi ver? Gostaste da cerimonia? Acho que foi bonita.

Desculpa o papá e a mamã não terem tido a coragem de te ver pela última vez. Acho que compreendes. Para nós tu já não estás ali. Aquele era um corpo que tu usaste para chegar a muitas pessoas! Tinhas uma alma muito maior que aquele teu corpo permitia albergar.

Mas voltando ao assunto do titulo do post - os amigos.

Tens tanta gente que gosta de ti! Não consigo enumerar nem nomear todas as pessoas que foram despedir-se de ti. E sabes o que lhes disse quando eu me despedi das pessoas? Que não se esquecessem de ti.

Foste um exemplo brutal de viver. Como disse à tua mãe durante o funeral e pegando nas palavras do padre - "Não importa quanto se vive. Importa é como se vive."

E espero que os teus amigos vejam isso. Eu e a tua mãe conseguimos ver isso bem agora.

Ainda não conseguimos bem alcançar qual foi a tua razão maior de teres vindo e partido cedo demais... Mas já percebemos muitos ensinamentos que nos deste.

O teu pai foi muito forte durante o funeral. Não se foi abaixo e ajudou a mãe nos momentos em que ela esteve mais em baixo. E falou contigo quando esteve a vacilar. Estás orgulhosa do teu pai?
Espero que sim.

Beijinhos princesa Leonor.
AF

Funeral

Nô,

Dá-me força para sobreviver ao que aí vem.
Importas-te que fale contigo enquanto fazem descer o teu corpinho à terra?

Eu sei que vais lá estar.
Mas vai ser muito complicado ver as outras pessoas a chorar por ti. Aquelas que não te sentem como eu te sinto. Aquelas que não sabem que os passarinhos que cantam todas as manhãs à janela do nosso quarto desde ontem são enviados teus.
Vai ser complicado...
Mas com a tua ajuda eu vou resistir. E ter força. E vou melhorar. Vou ser melhor marido para a Ana. Vou ser melhor cidadão. Vou ser melhor pessoa.

Estranho mundo este que são os filhos que deixam legados aos pais.

Até já minha princesa.

AF

quinta-feira, 27 de junho de 2013

Lembrar

Nô:

Amanhã é o teu funeral.
Mas é assim que vou me lembrar de ti para sempre.


(Durante muito tempo pensei se devia ou não partilhar este video a pessoas fora do meu grupo muito restrito de amigos e família mas neste momento a Nô não é só minha. Não é só deles. É do mundo.)

Beijinho grande minha princesa, minha estrela do norte.
O teu pai.

Dia 6....

Olá Nô...

Estou a escrever isto mas sei que tudo o que penso tu sentes.
Escrevo para ti mas o objectivo é mais tarde eu me lembrar deste momento...

Sinceramente não sei bem o que te dizer, agora que já não te visito todos os dias na UCIN.

Foste a pessoa mais importante da minha vida durante uns dias e continuas a demonstrar a tua força dentro de mim. Quando te sinto...
Admito que ás vezes não te sinto. E nessas alturas choro. Choro muito. Choro tanto que por vezes penso que já não tenho mais lágrimas para chorar. Mas nessas alturas volto a chorar mais um bocadinho.

Choro quando me lembro dos teus olhos (a tua avó diz que os teus olhos eram iguais aos meus).
Choro quando me lembro do movimento fino das tuas mãos delicadas de dedos compridos (como os da tua mãe)
Choro quando vejo uma foto tua.
E finalmente choro quando me lembro de olhar para a máquina e ver que a mesma dizia que o teu coração tinha parado...

E ainda assim não trocava estes 6 dias por nada na minha vida. Não te trocava por nenhuma criança.
Foste a maior lição da minha vida.
Aprendi contigo que temos de viver as nossas vidas felizes e plenos de amor. E não importa quando tempo estamos aqui na Terra, temos sempre de dar 100%.

Fizeste-me feliz. Ensinaste-me o que é amor incondicional. Ensinaste-me o que é sofrer por alguém que amamos e ensinaste-me que amor também significa libertar.

Dissemos-te que poderias ir se achasses que ias começar a sofrer.
Nenhum pai quer ver uma filha a sofrer.
Por egoísmo. Por querer te cá em casa. Grande e saudável.
Ias sofrer muito a partir de ontem. E morreste como nasceste e viveste: feliz e cheia de amor.

Nos braços da tua mãe.
A olhar para mim.

Dói... Dói muito.
Sinto um vazio enorme.
E no entanto sei que agora carrego contigo para todo o lado. Por isso em breve vou sentir-me mais completo que nunca.

Prometo que eu e a tua mãe vamos nos apoiar mutuamente. Agora que sabemos o que é amor é mais fácil.
Não temas por nós. Nós somos fortes. Ainda que às vezes pareçamos fracos, somos fortes.

Espero que estejas a ler isto.

Amanhã é o teu funeral. Não é despedida. Nunca me vou despedir de ti. Tu estás aqui.

Estás, não estás?

Um beijo enorme que nunca te dei,
AF

PS: temos muita gente a nos enviar mensagens de todo o tipo. Há pessoas a doar a instituições que precisam de ajuda em teu nome. E vão haver muitas mais. Tu mudaste o mundo, Nô. E não foi só o meu. Nada vai ser igual daqui para a frente.
E ainda bem...

terça-feira, 25 de junho de 2013

Dia 5

E ao 5º dia o pai fraquejou.

Uma preocupação dos médicos com a cor do abdomen da Leonor (estava algo negra tipo nódoa de impacto) e logo desabou sobre mim uma preocupação tal que não aguentei e perdi a minha positividade momentaneamente.

Agora aguarda segundo raio-x que ocorrerá ainda esta noite/madrugada. Esperemos que seja conclusivo.

Entretanto parou a toma do leite e ficou adiado o tratamento ao fecho do canal arterial que se encontra aberto (mas muito pouco aberto). Tratamento esse que é feito tomando doses de ibuprofen. O que implica pedir mais alguma coisa aos intestinos...

Com o resto da coisas a Leonor está bem e estável.

Enfim... amanhã tento desenvolver melhor o tema.

Aqui fica a foto do dia


Vou descansar.
Beijos e abraços,
AF

segunda-feira, 24 de junho de 2013

Dia 4

Olá gente boa!

Mais um dia passou. E aqui estão as notícias sobre a nossa Nô. :)

Durante a noite levou um concentrado de plaquetas. Ao que parece no hemograma de ontem à noite as plaquetas estavam um pouco em baixo e por isso toca a receber um reforço externo.
Hoje de manhã foi repetido o teste e as plaquetas estavam bem lá para cima. Óptimo e expectável.

Foi também pesada de manhã e tinha naquela altura 411gr. As médicas ficaram espantadas pelo aparente aumento de peso (ainda não é suposto aumentar) mas que fica explicado pela mudança da incubadora e, como tal, da balança. Estamos a falar de graus de precisão difíceis de avaliar quando o peso é tão pouco.
Amanhã e pesada novamente na mesma balança e logo se chega a uma conclusão.

Hoje foi também o dia em que iniciou a alimentação com leite materno. Para já, avaliando a primeira dose dada, a aspiração gástrica efectuada algum tempo depois não denotava qualquer vestígio de leite no estômago. O que é óptimo. Quer dizer que "desceu". :)

Ainda não fez ecocardiograma. Houve uma confusão no pedido à cardiologia e aparentemente esperavam que o doente fosse ter até eles. Paciência. Será amanhã e não é urgente.

E pronto... estas são as notícias sobre a Leonor. Hoje a mamã já teve à tarde comigo e com a Nôno e acabamos por sair mais tarde do hospital para aproveitarmos os momentos que podemos estar com ela. A vontade era estar com ela 24h por dia mas os pais precisam de dormir e comer para estarem fortes quando a Leonor for para casa.

Por falar em mamã, a Ana faz anos hoje e escreveu das coisas mais comoventes que já li no seu blog.
Leiam e comovam-se. Ela tem o dom da escrita que eu gostava de ter e conseguiu transpor para palavras o que aconteceu na madrugada de dia 20.
http://ourmadworld.blogspot.pt/2013/06/turbilhoes.html

Hoje tirei poucas fotos. E esta incubadora parece que embacia mais que a que avariou o que torna complicado tirar fotos decentes.
Fica esta para rever mais tarde.


Beijos a abraços,
AF

PS: perdoem-me o post relativamente curto mas estou muito cansado. Cansado mas feliz.

domingo, 23 de junho de 2013

Dia 3

Olá pessoal!

Cá estou eu a dar novamente feedback.

A Leonor mais uma vez passou uma noite e dia relativamente descansada. Digo relativamente pois ao ínicio da tarde a incubadora avariou (deixou de fazer humidificação) e teve de ser substituída.
Também fez durante o dia de hoje foto terapia. Já parou pois é uma das terapias que faz perder peso. E ela de manhã tinha "apenas" 395gr.
Não se assustem. Está dento do expectável pelos médicos. Aliás, a médica dela disse que perdeu menos do que era esperado o que é bom sinal.
Ainda faltam mais uns dias a perder peso mas... um dia de cada vez.

Amanhã devem começar a dar o leite materno. A mamã já começou a tirar leite de 3 em 3 horas.

Digo devem pois depende de um ecocardiograma. Se o canal arterial estiver aberto precisa de fazer tratamento medicamentoso que vai exigir alguma coisa dos intestinos e, nesse caso, suspende-se a toma do leite. Neste momento é das fragilidades principais de prematuros com problemas de crescimento...

Entretanto a mãe já teve alta! 1 em 2 em casa. :) Fica a faltar a pequena Nô.


Aproveito agora para colocar aqui uma história que uma das Titis da Leonor nos entregou para lhe contarmos.

O Sítio entre o Céu e a Terra

Entrar numa Unidade de Cuidados Intensivos para recém-nascidos pode ser um choque. Os pais das crianças que aí recebem tratamento sentem-se muitas vezes perdidos ou afastados dos filhos por toda aquela tecnologia agressiva e desconhecida, geradora de medo ou impotência. 
A nós, médicos e enfermeiros, compete-nos eliminar essas barreiras e medos e permitir que os pais possam rapidamente estabelecer com os filhos uma relação afectiva forte – elemento importante para o sucesso global da nossa terapêutica.
Este texto tenta ser mais um contributo para que tal seja possível.

Era uma vez um sítio entre o céu e a terra onde havia um castelo pequenino.

Nesse sítio moravam umas Gentes Vestidas de Verde que viviam entre o saber e o desconhecido. Gentes que gostavam de Meninos.

Não tinham nomes, nesse sítio, mas chegavam lá muitas crianças que ainda não eram, vindas de todas as terras.

Algumas chegavam com muito frio, outras quase pretas e furiosas por terem sido mal tratadas pelos crescidos.

Muitos tremiam tanto, tanto, que era preciso contar-lhes uma longa história para eles sossegarem e perderem o medo que tiveram durante a travessia de um túnel cumprido e escuro, e tão apertadinho que mal dava para eles passarem. 


Chegavam alguns que contavam que de repente tudo tinha ficado escuro e que quando quiseram gritar por ajuda engoliram um líquido preto e espesso que os impedia de respirar.

Também lá apareciam uns, mas que se iam logo embora, todos pintados de Verde. Esses eram lavados muito bem e depois ficavam a secar debaixo de uma luz que parecia o sol, mas que devia ser diferente do sol porque em vez de ficarem todos bronzeados, ficavam era todos muito branquinhos.

Havia lá outros com ar de quem já eram antes de serem. Tinham quase sempre os olhos muito abertos e eram todos encurrilhadinhos.


Pareciam velhotes. Daqueles que da vida já sabem tudo. Muito magrinhos e com ar de quem caiu numa pocinha de lama. Estavam sempre com fome e o mais engraçado é que quando não comiam às horas certas ficavam com muitos tremeliques.


E havia também os outros. Os Meninos de Amanhã. 
Meninos que mal chegavam se iam embora para um sítio desconhecido que deve ser só deles. As Gentes Vestidas de Verde ficam sempre muito tristes quando os vêem transformar-se numa nuvem muito pequenina, tão pequenina que quando se olhava outra vez, já tinham desaparecido. Um dia, não se sabe quando, vão voltar e ensinar às Gentes Vestidas de Verde aquilo que elas ainda não sabem, para que não haja mais Meninos de Amanhã. 

De Amanhã porque vão voltar para ser.

No Castelo havia também uma sala especial, cheia de caixinhas transparentes.  Iam para lá os meninos que ainda não eram para ser.

Chegavam sempre muito preocupados porque não tinham tido tempo de aprender a respirar e ainda nem sequer sabiam tomar o leite. 

Eram todos muito pequenininhos e aquelas Gentes Vestidas de Verde começavam logo a fazer muitas coisas à volta deles. Mais tarde, quando já lhes tinham ensinado a respirar, saíam das caixinhas e contavam que ao princípio tinham tido muito medo mas que depois se divertiam imenso. Só não percebiam lá muito bem porque é que os penduravam nuns fios ligados a umas naves espaciais que tinham luzes vermelhas que apagavam e acendiam. Também contavam que ficavam cheios de vergonha quando se esqueciam de respirar. 

É que sempre que isso acontecia, descia pelos fios um anãozinho de nariz vermelho, que até piscava, muito zangado e aos berros. Nessas alturas as Gentes Vestidas de Verde ouviam aquele barulho todo e vinham logo a correr. Abriam a porta da caixinha transparente e diziam “respira Princesa (ou Príncipe, claro) senão o anãozinho zangado sopra-te no nariz”.

Só que às vezes era tão difícil respirar e estava-se já tão cansado que as Gentes Vestidas de Verde tinham pena e então juntavam-se à volta da caixinha transparente a conversar e então iam buscar outra nave espacial que tinha muitos tubos.


Metiam uma palhinha no nosso nariz, ligavam aos tubos da Nave que Sabia Respirar e era muito bom porque pela palhinha do nariz começavam a chegar bolinhas de vento muito quentinho, que iam e vinham, sem se ter nenhum trabalho. Era bom entre outras coisas porque se ficava com uma cor mais bonita e como não se tinha nenhum trabalho a respirar ficava todo o tempo para sonhar e para conversar com os Meninos das outras caixinhas. Mas essa boa vida não durava sempre e nem sequer valia a pena fazer de conta que ainda não se sabia respirar porque aquelas Gentes Vestidas de Verde parece que adivinhavam e então abriam a porta e diziam “Atenção, atenção, a Nave Espacial que Sabe Respirar vai partir”. Tiravam a palhinha do nosso nariz e pronto, começávamos a respirar sozinhos. 

Os nosso pais que passavam o dia a fazer-nos festinhas ficavam tão contentes que nós desistíamos  de fazer batota e começávamos a respirar muito bem e a tomar o leite todo.

Esse era um tempo muito bom porque tudo ficava muito calmo à nossa volta e até as Gentes Vestidas de Verde que passavam que tinham a mania de andar todo o dia a picar os nossos calcanhares deixavam de o fazer. Ficava então muito tempo para ver melhor o que se passava à nossa volta. As Gentes Vestidas de Verde riam-se muito quando nos vinham visitar e faziam caretas e contavam histórias.  

Claro que eram histórias inventadas porque nós bem víamos que lá no mundo delas as coisas nem sempre corriam bem e deviam até ser muito complicadas. Havia também tempo para conversar com um pássaro branco de bico vermelho, que olhava para nós todo o dia e nos contava como era o mar e que lá fora havia noite e dia e que era muito bom voar e ver todas as coisas bonitas que ainda havia no mundo deles. Um dia, não se sabe porquê, mudava tudo. Uma Gente Vestida de Verde chegava, abria a porta grande e dizia “Princesa, estás tão linda e crescida! Vamos sair da caixinha transparente. Anda ouvir coisas que nunca ouviste. Agora vais passar o dia ao colo dos teus pais, que te vão ensinar tudo o que nós não sabemos ensinar”. E saíamos mesmo!

Ao princípio era tudo muito complicado para nós. Os crescidos têm a mania de fazer muito barulho e depois estavam sempre a puxar-nos o nariz. Não era por mal. Só que a certa altura já era aborrecido. E depois, ainda para mais, vestiam-nos uns fatos, que eram os melhores que eles tinham, mas que faziam tanta impressão na nossa pele. Divertido era ver a cara dos nossos pais. Ficavam o dia inteiro de boca aberta e faziam barulhos tão esquisitos que nós, para eles não ficarem tristes, acabávamos por sorrir.

Às vezes havia música.

Um dia chegava sobre nós uma imensa Nave Espacial que atirava uns raios que não se viam mas serviam para nos tirar uma fotografia.

Ficávamos todos muito feios porque só se viam os osso e o que estava por dentro de nós. Uma Gente Vestida de Verde virava então a fotografia para a luz, chamava as outras Gentes e dizia “Está tudo lindo. Vai poder ir embora”. E nós que estávamos ali tão bem, e até já tínhamos amigos, íamos mesmo embora. Não contentes com isso ainda nos picavam outra vez o calcanhar. Nunca se saberá porquê!.. manias.

Depois de resolverem isso, sem sequer nos perguntarem se estávamos de acordo, escreviam a nossa vida toda nuns livrinhos cor-de-rosa para as Princesas e azuis para os Príncipes. 

Não sei se é justo contarem assim a nossa vida toda mas parece que é importante para que as outras Gentes Vestidas de Qualquer Maneira, que estão no Mundo de fora, possam tratar melhor de nós.

Mas o máximo é quando chegam os nossos pais para nos levarem.

Vêm todos muito bem vestidos e contentes mas muito nervosos. A única coisa aborrecida é que têm a mania de trazer umas roupas que ainda picam mais e vestem-nos tanta coisa que nem podemos mexer lá dentro. E tem laços que apertam e botões que magoam. Que saudades daquele tempo quando ainda não éramos mas já estávamos a ser naquelas caixinhas transparentes! Todos nus e quentinhos. Enfim, como dizem os crescidos “Agora começa uma vida nova”.

Vamos lá ver como é.

Os nossos Pais trazem então uma enorme cesta e somos postos lá dentro. Põem muito cobertores por cima de nós, o que não é nada agradável, porque fica muito pesado e além disso quando saímos para o mundo cá fora nem é possível ver se é verdade que há pássaros e sol e árvores e flores, Gentes boas e Gentes más e um mar com barcos.

Só mais tarde é que vamos poder ver isso tudo... que pena!

 
Foi tão bom naquele tempo em que as Gentes Vestidas de Verde nos ensinavam a respirar e a gostar de viver. Foi tão bom que já sabemos o que vamos ser quando formos grandes

Quando formos grandes queremos ser sempre meninos mas...VESTIDOS DE VERDE.



Era assim naquele tempo. De repente no nosso País tudo começou a mudar. Pessoas vestidas de todas as cores juntaram-se e conversaram durante muito, muito tempo. Não queriam ver tantos Meninos de Amanhã e outros, que, sendo de Hoje, nunca chegavam a ser Meninos. É que depois de nascerem não riam, não brincavam, outros não andavam e nunca podiam ir para a Escola. Tinham um mundo tão pequenino que muitas vezes não ultrapassava o quarto onde viviam. Não era justo.


As Pessoas Vestidas de Todas as Cores decidiram que, a partir daí, as Crianças só podiam nascer em Sítios entre o Céu e a Terra e nunca mais nos Sítios do Nada.

As Pessoas Vestidas de Todas as Cores começaram a andar por todo o País e mandaram fechar quase 200 Sítios do Nada e organizaram e equiparam cerca de 50 Sítios entre o Céu e a Terra. Os mais velhos ensinaram os mais novos e, em menos de quatro anos, quase desapareceram as Crianças que nunca chegaram a Ser.

Claro que as Pessoas Vestidas de Todas as Cores nunca estão satisfeitas. Têm também uma Nave Espacial, que agora é pintada de amarelo e tem umas letras a dizer Ambulância de Recém-Nascidos que, todos os dias e todas as noites do ano, vai buscar Meninos, muito, muito doentes e os traz muito quentinhos e com muito cuidado para os Sítios Onde Há Quase Tudo.

Sabiam que de todos os Países do Mundo o nosso é o único que tem esse Serviço ? Não sabiam, pois não? Mas é verdade!


Em todo o País as Pessoas Vestidas de Todas as Cores ficaram mais felizes e os Pais mais sossegados. Em menos de 10 anos o nosso País deixou de ser aquele onde havia mais Crianças de Amanhã em toda a Europa e passou a ser dos melhores do Mundo !

Também é bom não esquecer umas Pessoas de Quem Ninguém Fala. Trabalham numas casinhas distribuídas por todo o País e tomam conta das Mães. Chamam-lhes Médicos de Família e Enfermeiras de Saúde Materno-Infantil. Sem as Pessoas de Quem Ninguém Fala nunca teria sido possível conseguir o que se conseguiu.

Essas Pessoas têm aparelhos especiais para ver as Crianças que Estão Para Ser e, quando ficam preocupadas, mandam as Mães para os Sítios Onde Há Quase Tudo, para serem tratadas.

Isso é muito bom porque assim há cada vez menos Mães e Meninos de Amanhã.

Também é preciso não esquecer as Meninas(os) Que Estão Lá Sempre. São as Enfermeiras(os) que estão nos  Sítios onde Há Quase Tudo e não só tratam mas também cuidam das Crianças muito doentes.

Hoje, as Pessoas Vestidas de Todas as Cores, esperam que as Pessoas Vestidas Com Factos Escuros e Com Gravatas da Cor das Circunstâncias nunca se esqueçam das Crianças muito doentes. Às vezes ficam um bocadinho esquecidas porque as Crianças não votam, não têm partido político nem sindicato e só falam com as Pessoas Vestidas de Todas as Cores. É por isso que Pessoas Vestidas de Todas as Cores nunca as vão abandonar e falarão sempre por elas para defenderem os seus Direitos.

Hoje, quando as Crianças partem para os seus Sítios, onde vão continuar a crescer, dizem-nos sempre: quando formos grandes queremos ser sempre Meninos, mas...Vestidos da Cor do Arco Íris.

FIM